Pode ser útil imaginar as discussões políticas no Brasil, de maneira perigosamente simplificada, em termos de três dimensões. Imagine uma caixa de vidro transparente, na forma de um cubo perfeito, com 10 cm de altura, largura e profundidade.

A primeira dimensão é a altura e ela corresponde ao dilema entre Honestidade (na parte mais alta, com medida “10”) e Corrupção (na parte mais baixa, com medida zero).

A segunda dimensão é a largura e ela corresponde ao dilema entre atender aos Pobres (na esquerda, medida zero) e atender aos Ricos (na direita, medida “10”).

A terceira dimensão é a profundidade e ela corresponde ao grau de Competência (medida “10”, no lado posterior do cubo) ou Incompetência (medida zero, no lado anterior do cubo).

Vejo o PT, em meados de 2016, no canto esquerdo, mais baixo e mais anterior dessa caixa de vidro. Sem dúvida o PT está tomado pela corrupção (infelizmente). Se mostrou incompetente para governar e administrar a economia, por diversos motivos internos e externos. Entretanto, o PT segue se declarando a favor dos interesses dos Pobres (o eixo da largura dessa caixa), embora os críticos localizados no PSOL , no PSB e na Rede talvez dissessem que o PT não está no lado “zero” dessa dimensão, pois fez concessões demais ao lado direito (o interesse dos Ricos); talvez esses críticos dissessem que o PT está no marco 4, 5 ou 6 essa dimensão, se aproximando demais do DEM, do Caiado e do Bolsonaro, que representariam os marcos 9 ou 10.

Pois bem, o que a classe média quer, em resumo, é um governo que seja mais honesto e mais competente, posicionado mais para cima (Honestidade) e mais para o fundo (Competência) nessa caixa. Onde o pessoal se divide, no entanto, é ao discutir até que ponto o governo deve ficar mais à direita (Ricos) ou mais à esquerda (Pobres) em meio a essas três dimensões.

Minha própria posição é que o governo deve ser 10 em Honestidade e 10 em competência; em termos de interesses dos Ricos versus Pobres (sim, eu sei, isso é uma simplificação muito grosseira) eu fico com o marco “4”; mais para a esquerda do que para a direita da caixa. Precisamos de uma sociedade mais justa, que atenda aos interesses dos mais pobres; mas sem desconsiderar totalmente os interesses dos mais ricos, para não excluí-los do processo político. Quando o governo pende demais para esse lado esquerdo, termina por alimentar uma guerra de classes e isso tende sabotar o processo como um todo. Um governo que se posiciona contra as elites, de forma antagônica, não consegue se sustentar a longo prazo. Vide Argentina e Brasil. Breve também na Venezuela, Bolívia e Equador.

É uma brasa, mora

Diferentes grupos puxam a brasa para a sua sardinha, num jogo constante. O risco é apagar o fogo, de tanto mexer na brasa para um lado e para o outro.

Quando se acusa o PT de corrupção, todo mundo concorda e puxa a brasa para cima, querendo um governo mais honesto. O PT, infelizmente, nessa hora só teve como defesa o velho argumento de que “Não somos os únicos! Cadê os outros? Não condenem apenas a nós, é preciso acusar e condenar os outros também!”

É claro que todos os políticos, do Aécio ao Temer, se apresentam como sendo mais Honestos; entretanto, a maioria deles (e certamente os recém citados) se localizam, de fato, na parte de baixo dessa dimensão. Poucos são os que se localizam na parte mais alta. Precisamos promover esses poucos a verdadeiros modelos para o que exigimos daqui em diante.

A revolta contra Michel Temer e seu ministério é justamente por que não atendem ao quesito Honestidade. Podem ser mais Competentes (talvez), mas deixam a desejar (demais!) em termos de Honestidade.

Como o País diverge muito na dimensão horizontal Ricos versus Pobres, o consenso é mais difícil nesse aspecto. Se o Temer se posiciona como “5”, apanha de Bolsonaro e Caiado, de um lado, e apanha também de Luciana Genro e Luiza Erundina, do outro lado.

Eu também bato no Temer, mas muito mais por ele ser “zero” em Honestidade do que por ser “5” em termos da atender mais aos Ricos do que aos Pobres. Talvez ele seja mais competente do que a Dilma (não é difícil), mas isso não deveria ser suficiente para livrá-lo de impeachment e perda dos direitos políticos.

O importante é se considerar que a escolha de nossos governantes não deve se basear apenas em uma dimensão (“sou a favor do PT porque eles defendem os pobres”). Para governar de novo, o PT precisa melhorar a sua Competência e a sua Honestidade; caso contrário, não passa.

O mesmo vale para todos os candidatos de todos os partidos: podemos divergir em termos de direita e esquerda, atender aos Pobres ou atender aos Ricos; mas precisamos exigir Competência e Honestidade como condições mínimas para jogar o jogo político. A falta dessas condições é o que derrubou o PT. É claro que a direita se aproveitou disso, para promover seus próprios interesses.

Entretanto, de nada adianta ao PT (e nem aos outros movimentos de esquerda) se promover apenas pela ideologia. Sem Honestidade e Competência, a coisa não vai. Portanto, tratemos de aparelhar melhor a esquerda nesses quesitos. Aí sim, a discussão política pode ficar interessante. E continuemos sendo intolerantes com os incompetentes e desonestos de qualquer ideologia.